2001 (Edição original: 1969)
Autor: Gonzalo Torrente Ballester
Editora: Caminho
Tradução: António Gonçalves
Páginas: 601
ISBN: 972-21-1371-2
Sinopse:
Descrito pelo próprio autor como “(...) una série de problemas individuales sobre um fondo histórico determinado, en un momento concreto de la vida española”, Off-side é muitas vezes encarado como um passo na direcção da sua mais aclamada obra, La saga/fuga de J.B., algo que acabou por condenar este romance a uma relativa (e imerecida) falta de atenção ao nível da crítica literária.
Com base na sua experiência de vida em Madrid, especialmente nos anos 50, Ballester procura conjugar o realismo, a objectividade e o espírito crítico, pintando um cenário dramático e pessimista da sociedade madrilena.
“A mim parece-me um esforço para alcançar uma visão da realidade diferente da habitual, e para recriar literariamente com meios expressivos excepcionais.”
O primeiro aspecto a salientar na escrita de G.T.B. é, sem dúvida, a mestria com que cria as personagens, pertencentes a diferentes esferas sociais, com as suas ideologias próprias e apresentando diversas orientações sexuais, cada uma é minuciosamente analisada, processo que permite dotá-las de uma verosimilhança incrível. Assim, poder-se-ia dizer, que a alma deste romance se encontra nas suas personagens, sendo de salientar esta pluralidade, dada a ausência de um protagonista principal.
“(...) conseguiu apresentar ao mesmo tempo a multidão e os indivíduos que a constituem.”
Apesar do nível de detalhe acima referido, é interessante verificar como, independentemente da quantidade de personagens e de cenários em que estas se movem, o autor consegue conjugar harmoniosamente aspectos específicos, com pormenores gerais, dedicando a usa atenção não só à acção principal, mas também preocupando-se com o ambiente que a envolve.
“(...) passa com toda a naturalidade do realismo à mais desenfreada fantasia, volta à realidade, brinca com ela...”
Muito embora o realismo predomine ao longo de todo o livro, Ballester integra em Off-side elementos fantásticos, predominantemente surrealistas, que alguns críticos consideram como uma forma de caricaturar a sociedade madrilena, e que se veio a reflectir na sua obra posterior. Um exemplo dessa integração, é o contraste entre aspectos que pretendem meramente espelhar a realidade com outros puramente imaginários, como um cosmos electrónico presente na biblioteca de Fernando Anglada, algo que se veio também a repercutir na sua obra: a inclusão de um objecto imaginário e inútil nos seus romances.
“Acontece que o cosmos electrónico da biblioteca, além de tema de meditação abissal - «Perante tal imensidão não somos nada» -, é um candeeiro que difunde em redor e em forma aproximadamente esferoidal, gradualmente esbatida, uma luz opalescente suficientemente ténue para que Anglada, imerso nela, pareça um fantasma móvel, e Landrove uma sombra inquieta, vulto informe aninhado e trémulo na poltrona de couro. Aproximando-nos da esfera, parece dotada de luz própria, uma luz imanente (ou talvez emanante) em que flutuam e se movem, vertiginosos, milhares de mundos, nuvens de estrelas. A ordem pressentida dos astros está realizada, ali, a uma escala micrométrica. Mas o bonito é que nenhum é que nenhum daqueles corpos celestes tem suporte algum, seja arame ou titã, pois flutuam na luz e movem-se segundo a mecânica do Universo, embora em ponto pequeno, e nota-se com toda a clareza a sua fuga unânime para um lugar ignoto do nada. Anglada tem delimitado, para os seus passeios, o espaço compreendido entre o prolongamento ideal do eixo Norte-Sul do instrumento e as janelas. Landrove apenas se concede o que os seus braços e pernas, ao moverem-se, podem abarcar.”
Apesar de ser considerado inferior ao já referido La saga/fuga de J.B., é curioso constatar que, é em Off-side que podemos encontrar a personagem que, porventura, melhor representa os ideais do próprio autor. Trata-se do escritor Leopoldo Allones (cujo nome é, possivelmente, baseado no escritor argentino Leopoldo Lugones, que se suicidou em 1938), autor de um livro denominado Três, que é bastante elogiado e descrito, por diversas vezes, como uma obra-prima, sendo as citações que tenho vindo a apresentar ao longo desta crítica exemplos disso mesmo, incluídas aqui pela adequação dos comentários nelas contidos (maioritariamente efectuados pelo intelectual Leonardo Landrove) ao próprio Off-side.
Como síntese da vida espanhola dos anos 50, Off-side acaba por ficar aquém das expectativas, em parte devido à representação de aspectos demasiado díspares, carecendo o livro de algo que proporcione uma necessária coesão ao conjunto. É possível que o período em que foi escrito (numa altura em que Ballester esteve prestes a abandonar a literatura) tenha influenciado o resultado final, mas não deixa de ser um admirável retrato social, com uma qualidade que deveria garantir a sua saída da sombra de obras posteriores. E sendo as personagens que dão vida a Off-side, que melhor forma de terminar, do que com as palavras de uma dessas personagens, que transpostas para o contexto desta crítica, definem na perfeição o que podem encontrar neste romance:
“(...) é capaz de descobrir a contradição interna da linha recta e de a expressar numa frase que é a um tempo chiste, música, criação verbal e reprodução exacta da realidade. Quando aplica o seu método ao comportamento humano, os seus personagens mais vulgares convertem-se em entidades surpreendentes, mas lógicas. (...) conseguiu expressar como ninguém o paralelismo entre o pensamento e a conduta, as suas coincidências, as suas divergências, as suas contradições. O que há de específico em cada homem surge perfeitamente homogeneizado com o individual, e, no entanto, o leitor percebe quando é a espécie que actua, e quando a pessoa.”
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